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Robert Louis Stevenson
O ladrão de cadáveres Tradução Andréa Rocha
O ladrão de cadáveres
Todas as noites do ano, nós quatro nos sentávamos juntos na pequena sala de estar do George, uma estalagem em Debenham: o agente funerário, o proprietário, Fettes e eu. Às vezes havia outras pessoas, mas, não importava o quanto ventasse, chovesse, nevasse ou geasse, nós quatro sempre estávamos lá, cada um instalado em sua poltrona. Fettes era um velho bêbado escocês, homem de inegável instrução e também de algumas posses, já que vivia na ociosidade. Chegara a Debenham anos antes, ainda jovem, e acabou adotado como cidadão do lugar meramente por ter ficado por lá. Sua capa de chamalote azul era uma antiguidade local, assim como a agulha na torre da igreja. Seu lugar na sala de estar do George, sua ausência da igreja e seus antigos e vergonhosos vícios de beberrão eram todos bastante conhecidos em Debenham. Era de opiniões
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vagamente radicais e de certo ceticismo fugidio, que vez por outra declarava e enfatizava com batidas vacilantes na mesa. Fettes tomava rum – invariavelmente cinco copos por noite – e, na maior parte do tempo de nossos encontros noturnos no George, sentava-se, copo na mão direita, numa embriaguez melancólica. Nós o chamávamos de Doutor, pois a ele eram atribuídos alguns conhecimentos especiais de medicina, e porque sabia-se que, em caso de necessidade, seria capaz de tratar uma fratura ou aliviar uma luxação. Além desses insignificantes pormenores, não tínhamos informação sobre seu caráter ou sobre seus antecedentes. Numa noite escura de inverno − já passava das nove horas quando o dono do George juntou-se a nós −, havia no estabelecimento um homem adoentado, um grande proprietário da região que sofrera um ataque
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apoplético quando se dirigia ao Parlamento; e por esse motivo o ainda mais ilustre médico do já tão ilustre cavalheiro recebera uma mensagem telegrafada para que comparecesse junto a seu leito. Aquela era a primeira vez que tal coisa acontecia em Debenham, já que a ferrovia fora inaugurada havia pouco tempo. Assim sendo, ficamos todos de certo modo abalados com o ocorrido. “Ele veio”, disse o proprietário, depois de terminar de encher e acender o cachimbo. “Ele?”, indaguei. “Quem?… não está se referindo ao médico, não é?” “O próprio”, respondeu nosso anfitrião. “Qual o nome dele?” “Dr. Macfarlane.” Fettes estava no final do terceiro copo – estupidamente bêbado, ora cabeceando, ora olhando atordoado à sua volta –, porém pareceu despertar diante da última palavra pronunciada e então repetiu duas vezes o
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nome “Macfarlane”, bem calmo na primeira, mas com uma emoção repentina na segunda. “Isso mesmo”, disse o proprietário, “esse é o nome dele, Dr. Wolfe Macfarlane.” Fettes ficou imediatamente sóbrio. Seus olhos se arregalaram, a voz tornou-se clara, alta e firme, e o linguajar bastante enérgico e sério. Todos ficamos sobressaltados com a transformação, como se um homem tivesse ressuscitado dos mortos. “Peço desculpas”, disse ele, “acho que não estava prestando muita atenção na conversa. Quem é esse Wolfe Macfarlane?” E então, quando ouviu o que disse o proprietário, declarou: “Não pode ser, não é possível, mas mesmo assim gostaria muito de ficar cara a cara com ele”. “O senhor o conhece, doutor?”, indagou o agente funerário com a voz entrecortada. “Deus me livre”, foi a resposta. “E no entanto o nome não é nada comum, é
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improvável que existam dois. Diga-me”, falou, dirigindo-se ao dono do George, “ele é velho?” “Bem”, começou o anfitrião, “não é um homem jovem, com certeza, e tem cabelos brancos, mas parece mais jovem que o senhor.” “Acontece que ele é mais velho; uns bons anos mais velho. Mas”, prosseguiu, batendo na mesa, “é rum isso que os senhores veem no meu rosto, rum e pecado. Esse homem talvez tenha a consciência tranquil